Nos últimos dez meses, as manhãs não eram mais tão sonoras. O barulho da chaleira, dos talheres batendo na pia, o “bom dia” com cheirinho de pão fresco já não era mais possível ouvir. Os beijos foram substituídos por minutos a mais de sono e o café não era mais tão fresco. Nada mais possuía o mesmo sabor, a mesma euforia e desejo. As coisas passaram a ser como são, e isso não era bom, nem ruim, apenas era.
Os finais de semana eram preenchidos com grandes reflexões de própria autoria e algumas taças de vinho. Tais reflexões muitas vezes vinham acompanhadas de lágrimas e tristeza, mas essas foram reações naturais de um término abrupto. Com o tempo, as taças e os olhos foram se esvaziando, se esvaziando, se esvaziando…
Os meses se tornaram mais longos também. O calendário na geladeira mostrava uma vida agitada, cheia de compromissos importantes. Era preciso mostrar ao mundo que tudo estava bem e nada mais faltava, a própria companhia bastava. Mas com o tempo descobriu-se que estar sempre presente nem sempre é um presente, e então os meses começaram a ficar mais calmos e apenas o que era importante mesmo era escrito ali na geladeira.
Nos últimos dez meses muitas coisas mudaram para melhor também. Com a ausência existiu a necessidade de recuperar parte de quem havia sido e que já não existia mais, e essa foi uma aventura e tanto. Aventurar-se em si mesmo é um caminho sem volta, é como encontrar um melhor amigo, um amor e uma família todinha dentro de si, sem a necessidade de ser melhor que ontem, apenas a graça de amar-se e aceitar-se todos os dias.
Foi em um desses dias de amor próprio, que mesmo sem amigos disponíveis para tomar o melhor café da cidade, decidi ir sozinha apreciar a paisagem. Eu sabia depois desses dez meses o amargo de estar só, mas também aprendi a apreciar a leveza de ter momentos de solitude. Tomar um café sozinha não era mais silencioso, eu conseguia ouvir meus pensamentos. Sentir falta de um beijo ja nao era mais motivo para chorar, eu possuía outras maneiras de sentir o amor. Tudo o que eu tinha depois de todo esse tempo, era eu mesma.
Foi quando olhei para o lado e havia um homem esguio, barba aparada de boné azul marinho olhando para mim. Sorri sem mostrar os dentes e continuei tomando meu café. Quando percebi, aquele homem estava ao meu lado pegando a minha touca caída no chão. Agradeci, desta vez um pouco mais receptiva. Ele muito simpático perguntou sobre o que eu estava tomando e disse que sempre quis experimentar aquele café árabe. Afirmei que era meu preferido.
Dez meses se passaram deste dia. Minhas manhãs tem cheiro de café quente, árabe de preferência, agora ouço latidos de cachorro e galinhas cacarejando no quintal. Meu calendário vive cheio de viagens a dois, minha taça de vinho hoje em dia tem companhia e começou a encher-se de novo. Minhas lágrimas… bem, tenho que confessar que deixo-as rolarem uma vez ou outra, mas dessa vez de alegria, emoção e gratidão pelos últimos dez meses de tanto amor que recebi daquele homem que há dez meses era um total desconhecido.
Hoje lembro que quando o recebi em minha vida, não estava esperando que preenchesse vazios, apenas o aceitei como era e por sorte, ele também. Por fim ele me encontrou onde meu amor próprio me levou e por ali permanecemos.