No mês das mães, temos a honra de abrir espaço para uma história de coragem, entrega e um amor que transcende qualquer diagnóstico. Cecília Donati é mãe da Maria, uma menina doce e cheia de vida que convive com a Síndrome de Sanfilippo tipo 3A — uma condição rara e devastadora, conhecida como o “Alzheimer infantil”.
Nesta entrevista emocionante e necessária, Cecília compartilha como foi o processo de descoberta da doença, o impacto desse diagnóstico na vida da família e, principalmente, como o amor incondicional e a fé foram (e continuam sendo) as maiores forças para seguir em frente.
Entre reflexões sobre a maternidade real, a importância do teste do pezinho ampliado e as diferenças entre o sistema educacional brasileiro e americano no acolhimento de crianças com necessidades especiais, Cecília nos mostra que ser mãe vai muito além de cuidar — é transformar dor em propósito, e medo em presença.
Prepare o coração para conhecer essa mulher que é luz em forma de mãe — e que, com doçura e coragem, inspira tantas outras a viverem seus próprios recomeços com mais leveza e verdade.
Porque ser mãe é profissão. Mas amar como Cecília, é vocação.
Você pode nos contar um pouco sobre sua história? Há quanto tempo está nos EUA e como foi essa jornada para você e sua família?
Com todo prazer, vou contar um pouquinho da minha história e das minhas experiências. Cheguei em Orlando há 7 anos com minha família. Vínhamos todos os anos com as crianças para passar as férias, até que, em 2018, decidimos nos mudar para cá. E foi a melhor escolha que fiz, pois eu não podia nem imaginar o que estava por vir. Tivemos uma ótima adaptação, meus filhos ficaram felizes com a mudança, e eu, como fisioterapeuta no Brasil, consegui rapidamente uma clientela grande aqui com a licença de massagem. Então, nossa rotina continuou bem parecida com a do Brasil.

Como foi a descoberta da Síndrome de Sanfilippo na Maria? Você pode compartilhar um pouco sobre esse momento e os desafios que vieram com o diagnóstico?
A descoberta da síndrome foi, literalmente, o meu mundo desabando. A Sanfilippo é conhecida também como Alzheimer infantil. O prognóstico é que a Maria perca todas as funções, como fala, deglutição, capacidade de andar e memória. A expectativa de vida dessa síndrome é de 14 a 20 anos, sendo que a maioria das crianças para de andar a partir dos 12 anos. Descobrimos a síndrome há 3 anos, quando ela tinha 5. Eu já queria investigar desde os 3 anos, mas meu ex-marido se negava a levá-la, dizendo que ela não tinha nada. E, infelizmente, eu não tive coragem de tomar a decisão sozinha. Em janeiro de 2021, meu pai me ligou muito bravo e me deu um ultimato: que eu precisava investigar o que estava acontecendo. Depois dessa ligação, parece que Deus foi guiando meus passos e abrindo todos os caminhos. Meu pai tem um amigo cuja filha é médica em Miami, e ele achava que ela poderia ajudar. Eu disse que aqui era tudo diferente, que precisava ser uma neuropediatra. Para nossa surpresa, a filha do amigo dele é neuropediatra. Marcamos a consulta rapidamente, e ela nos enviou um exame de saliva para avaliação genética. Um mês depois, saiu o resultado. Foi devastador, mas, ao mesmo tempo, senti alívio por ter finalmente um diagnóstico. Estava pronta para mover montanhas. Infelizmente, a síndrome da Maria ainda não tem tratamento. Não há nada que possa ser feito para frear as perdas. Tentei de todas as formas que ela entrasse em uma pesquisa que estava acontecendo em Pittsburgh. Meu amigo Rodrigo Branco foi comigo, para ser a minha voz, já que eu não sabia como seria em meio a exames e médicos. Nossa tentativa era mostrar que tínhamos capacidade de estar lá. Maria conseguiu a vaga, porém, depois de assinarmos os papéis, o patrocinador cancelou a verba da pesquisa. Naquele momento, minha tristeza foi imensa. Percebi que não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer para ajudá-la de forma efetiva.
Muitas doenças raras, como a da Maria, podem ser detectadas no nascimento com o teste do pezinho ampliado. Você acredita que mais informação sobre esse exame poderia transformar a vida de muitas famílias?
Com certeza. E eu sou da área da saúde e não conhecia esse exame. Muitas vezes pensamos: “Não tem ninguém na família com problema, então não há necessidade de fazer nenhum exame.” Porém, muitas doenças genéticas são recessivas. Herdamos uma cópia genética do nosso pai e outra da nossa mãe. Todos temos vários genes com defeito, só não podemos ter defeitos nas duas cópias do mesmo gene. Se uma está com defeito e a outra está normal, não há doença. Isso é questão de probabilidade. Muitas síndromes acontecem quando os pais têm o mesmo defeito no mesmo gene. Por isso, o teste do pezinho ampliado é fundamental para um diagnóstico precoce. Até porque muitas doenças têm tratamento — mas somente se forem descobertas cedo. O teste do pezinho tradicional avalia apenas 6 síndromes, e o teste do pezinho ampliado avalia quase 60? E esse exame não é caro!
Como é o dia a dia da Maria na escola aqui nos EUA? Quais são as principais diferenças em relação ao Brasil no que diz respeito à inclusão e ao suporte para crianças com necessidades especiais?
A diferença é total. No Brasil, você precisa pagar um tutor para acompanhar a criança em sala de aula regular. Aqui, todas as escolas públicas têm salas preparadas para crianças com necessidades especiais. A criança passa por uma avaliação para identificar quais são suas necessidades e o suporte ideal. A escola da Maria é maravilhosa! Ela é muito amada por todos. A cada seis meses temos uma reunião com toda a equipe multidisciplinar, onde recebo um relatório completo sobre o desenvolvimento dela. A reunião é composta por psicóloga, assistente social, fonoaudióloga, coordenadora, tradutora, professora… O cuidado, o carinho e o suporte são incríveis. Realmente, Deus foi muito bom conosco, por estarmos aqui e termos acesso a tudo isso para que a Maria tenha uma vida confortável e o mais normal possível. Maria vai todos os dias para a escola e também faz o summer camp no mês de junho, com o mesmo horário das turmas regulares.
Você sente que tem apoio suficiente da comunidade, do sistema de saúde e das escolas?
Com certeza. Agradeço todos os dias por tanto amor e carinho que recebemos. Tenho muitos amigos por conta do meu trabalho. Maria é muito amada e cuidada na escola, e o sistema de saúde também é muito bom. Ela tem um excelente seguro. Mas, claro, continuo tirando dúvidas com os médicos do Brasil. De modo geral, temos um ótimo acompanhamento aqui.
É nítido o amor entre você e a Maria – é algo contagiante, que ilumina quem está por perto. Como você descreveria essa conexão tão especial? O que a Maria te ensina todos os dias e como isso transformou a sua forma de enxergar a maternidade?
É um amor inexplicável. Nada do que ela faça me irrita. Maria não tem noção de perigo, então sempre aprontou bastante por não compreender bem as situações. E, em cada arte dela, eu vejo vida — e isso só me enche de alegria. Seja quando ela joga meu celular na piscina ou quando rouba comida de alguém. Ela não reclama de nada. Suporta dor sem nem saber o que está acontecendo. Ela tem um olhar penetrante, e hoje preciso adivinhar o que ela sente ou quer apenas com o olhar. Nossa sintonia tem que ser muito forte para que eu possa entender tudo que ela precisa. Ela me ensinou, de verdade, o significado do amor.
Sabemos que cuidar de uma criança com uma condição rara exige dedicação, mas como você equilibra a rotina da Maria com momentos para você e sua família?
Deus sempre coloca anjos em nossas vidas. E eu tenho uma anja chamada Vanessa. Vanessa é minha comadre há 17 anos. É como uma segunda mãe para a Maria. Ela é meu braço direito e esquerdo. Me ajuda a cuidar da Maria para que eu possa trabalhar, e a Maria ama muito ela. Com a ajuda da Vanessa, minha vida com certeza é mais leve.


Você tem outros filhos. Como é a dinâmica familiar e o impacto do diagnóstico da Maria na vida de todos?
Tenho mais dois filhos: o Felipe, de 19 anos, e o Enzo, de 18. Quando recebemos o diagnóstico, eles já eram adolescentes. Eles entendem, mas é difícil imaginar como será o futuro, por isso vivemos o presente, sem sofrer por antecipação.
Existe algo que você gostaria que mais mães soubessem sobre crianças com necessidades especiais? Algum conselho ou aprendizado que poderia fazer a diferença na vida delas?
Por favor, façam o teste do pezinho ampliado. Ele pode salvar vidas.
O que você diria para mães que estão recebendo agora um diagnóstico difícil para seus filhos? Como encontrar forças e seguir em frente?
A vida de uma mãe atípica não é fácil. Mas, com certeza, viemos ao mundo para aprender o que é amar de verdade. Todos nós passamos por momentos difíceis. Isso é inevitável. Claro que ninguém quer que algo aconteça com seus filhos. Não faz parte do ciclo natural da vida. Mas não somos vítimas, nem fomos injustiçadas. Temos uma vida atípica, mas com valores muito maiores, porque conseguimos entender o verdadeiro sentido da vida. Com uma criança atípica, tudo muda. Educar, colocar de castigo, dar sermões — tudo isso ganha outro significado. Com elas, aprendemos o amor em servir e cuidar. Isso transforma.
Como podemos, como comunidade, apoiar melhor as famílias que vivem essa realidade? O que realmente faz diferença na vida de vocês?
Eu e a Maria temos recebido muito amor. Meus amigos estão sempre preocupados se precisamos de algo, criando eventos para nos ajudar — seja com informação sobre a síndrome, seja com gestos que façam a diferença no dia a dia da Maria. Acho que não podemos esconder as crianças atípicas. Aqui nos Estados Unidos, temos inclusão de verdade, as crianças especiais estão nas escolas, nos parques, nas ruas. Queria que todos tivessem essa sorte: amigos e uma sociedade preocupada com o outro. Eu e Maria realmente somos muito abençoadas.
Por fim, qual mensagem você gostaria de deixar para todas as mães – tanto aquelas que têm filhos com necessidades especiais quanto as que têm filhos neurotípicos?
A vida é rápida demais para deixar que pequenas coisas tirem nossa paz. Seja feliz hoje. Aproveite seus filhos. A saúde é o que mais importa nessa vida. Cuide da saúde para não precisar cuidar da doença. E, se a doença vier, acredite: não é só você. Isso se chama vida. Se você é uma mãe atípica, cuide de si também. Tenha força física, mantenha bons hábitos. Isso fará toda a diferença no seu dia a dia. A alimentação é a base de tudo, para você e para a criança. Uma criança menos inflamada terá mais disposição, dormirá melhor e terá menos intercorrências. Pode parecer clichê, mas realmente faz a diferença.