Finalmente, a neve caiu. Pude ver pela janela o chão coberto pelo tapete branco que se formou. Aquela sensação de calmaria e o silêncio que somente a neve traz já eram possíveis de sentir em qualquer lugar onde eu estivesse.
As incertezas do ano que está batendo à porta também começam a aparecer: afazeres, compromissos, prazos… Lembranças de outros dezembros e janeiros rapidamente passam pela cabeça, e a saudade do que um dia fomos é inevitável.
Pouco se fala da ausência de quem éramos antes de nos mudarmos para outro país. Por que não comentamos sobre o vazio que existe dentro do imigrante que deixou sua vida inteira para trás? Uma profissão, um sentimento que nunca mais sentimos, uma rua por onde nunca mais passamos, pessoas que nunca mais vimos e que faleceram ao longo desses nossos anos ausentes… Todos esses vazios vão ficando dentro de nós, mesmo quando as memórias permanecem vivas em nossas mentes. É como se, de repente, você acordasse em um cenário novo, com pessoas novas e um roteiro novo, mas o personagem continuasse o mesmo, intacto.
Como lidar com o que não seremos mais? Seria o certo preencher o vazio com um novo eu? Mas quem sou eu agora? Do que eu gosto? O que combina comigo? Tenho uma outra personalidade ao falar outra língua? Onde estão as minhas pessoas? Seria o meu novo eu melhor ou pior que o antigo eu?
São tantas perguntas sem respostas que, muitas vezes, acabamos colocando tudo dentro da gaveta e também para baixo do tapete. De vez em quando, temos que reorganizar tudo e bater a poeira. Lá estão! Todas as perguntas ressurgem novamente. Mas como resolver tudo isso dentro de nós?
No ano que está começando, uma das maneiras de entender quem realmente somos é fazendo o caminho de volta. Sim, o caminho de volta para casa. Mesmo sem voltar fisicamente para o Brasil, decidir nos reconectar com nossos desejos de infância pode nos ajudar a entender quem somos em qualquer lugar onde estivermos. O que eu gostava de fazer? Com quem eu gostava de conversar? O que me fazia sorrir?
Poxa, essas perguntas são simples de responder, muito mais fáceis do que “Quem sou eu hoje?”, não é mesmo? Talvez dessa maneira finalmente tenhamos a resposta para tudo isso.
Talvez a resposta venha durante o vazio do inverno. A resposta sempre surge no silêncio, quando realmente ouvimos, no mais profundo íntimo do nosso ser, o que queremos para nós. Esse é o melhor momento para fazer o que realmente merecemos, sem as influências de pai, mãe, irmãos ou amigos. Morar fora é uma dádiva e, ao mesmo tempo, um fardo: o fardo de carregar quem realmente somos e não quem os outros gostariam que fôssemos. E eu, que achava péssimo viver o roteiro dos outros, estou aqui fazendo o papel de escritora, diretora e atriz da minha própria vida… Doce ilusão eu vivia.
Eu, quando criança, com certeza teria amado a neve, teria amado visitar as ruas de Nova York no inverno. Mas não foi assim que aconteceu. Cresci em um clima tropical, abençoado por Deus e cheio de problemas. Devemos aceitar o que foi e o que é. Morar em outro país é isso: viver na realidade todos os dias, acabar com a fantasia a cada manhã e, a cada pôr do sol, reinventar uma nova esperança para o que está por vir. O famoso “matar um leão por dia”, pois tudo o que faço hoje coopera para que eu valorize ainda mais meu passado.
Toda a história vivida em meu país de origem, ao contrário do que as pessoas dizem quando chegamos com apenas algumas bagagens em outro país, importa e moldou quem sou hoje. A cada descoberta, a cada frio na barriga, sinto-me como uma criança que aprende algo novo: uma sensação, um cheiro, uma textura. Isso é viver em outro lugar, fora do conforto de casa. É descobrir os limites e imperfeições da alma, entendendo que o momento em que estamos agora é apenas o início de uma nova história.
Jamais devemos esquecer quem somos. Devemos apenas começar um novo livro, um novo episódio, uma nova temporada, com uma nova bagagem. Tudo o que fomos em nosso país ainda é e sempre será parte de nós, em qualquer lugar onde decidirmos viver.